A Prefeitura de Valinhos, por meio da Secretaria de Mobilidade Urbana, informa que os usuários que pagaram a chamada "tarifa de regularização" do estacionamento rotativo (zona azul) entre 16 de novembro de 2016 e 31 de março de 2017 terão os valores pagos devolvidos. A tarifa de regularização foi um tipo de penalidade criada pela empresa Autoparque para motoristas que estacionavam veículos nas vagas de estacionamento rotativo sem pagarem pela utilização. A Autoparque notificava a Secretaria de Mobilidade Urbana para a aplicação de multa quando esta tarifa não era paga. Tanto a criação da tarifa de regularização quanto a intermediação da multa de trânsito foram consideradas ilegais pela Justiça.
Quem tem direito à restituição do valor?
- Usuários que pagaram a tarifa de regularização;
- Usuários que pagaram multa em decorrência do não pagamento da tarifa de regularização.
Quem tem direito à restituição da tarifa de regularização deve comparecer à sede da empresa Autoparque.
Autoparque
Rua dos Bandeirantes, 50. Vila Embaré. Valinhos, SP.
Dias e horários: de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.
Documentos necessários:
Comprovante de pagamento ou documento de propriedade do veículo.
Já os motoristas que tem direito à restituição da multa de trânsito devem entrar em contato com a Secretaria de Mobilidade Urbana pelo telefone (19) 3859-8824. Atendimento de segunda a sexta-feira das 8h30 às 16h.
Este comunicado cumpre decisão judicial decorrente da ação civil pública número 1004121-88.2016.8.26.0650.
A íntegra da sentença judicial abaixo. Para baixar arquivo em PDF
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
COMARCA DE VALINHOS
FORO DE VALINHOS
1ª VARA
RUA PROFESSOR ATALIBA NOGUEIRA, 36, Valinhos - SP - CEP
13270-660
Horário de Atendimento ao Público: das 12h30min às19h00min
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1004121-88.2016.8.26.0650
Classe - Assunto Ação Civil Pública - Dano ao Erário
Requerente: 1Ministério Público do Estado de São Paulo
Requerido: PREFEITURA MUNICIPAL DE VALINHOS e outro.
C O N C L U S Ã O
Em 20/09/2018, faço conclusão destes autos a MMª. Juíza de Direito Drª Bianca Vasconcelos
Coatti. Eu__,escrevente, digitei e subscrevi.
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Bianca Vasconcelos Coatti
Vistos,
O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou Ação Civil Pública em face
do Município de Valinhos e de Autoparque do Brasil Empreendimentos e Serviços Ltda.,
alegando, em síntese, que o primeiro requerido instituiu, por meio da Lei Municipal nº
5.110/2015, Áreas de Estacionamento Regulamentado - AER, qualificando-as como “serviço
público” e autorizando sua delegação ao particular, por meio de concessão, pelo prazo máximo de
trinta anos. Decorridos dois meses da publicação da lei, o Prefeito Municipal editou o Decreto nº
8.991/2015, por meio do qual regulamentou a matéria e instituiu AER em 41 logradouros
públicos, especificados nas páginas 02/04. Referido Decreto estabeleceu, ainda, tarifas para
utilização de tais áreas. Assim, no final de 2015, o requerido, mediante requisição da Secretaria
de Transportes e Trânsito, deu início à licitação, na modalidade concorrência nº 07/2015 para
"outorga de concessão onerosa para implantação, exploração, administração e gestão das áreas
de estacionamento regulamentado – AER", com valor total estimado em R$ 19.709.298,00, pela
gestão de 2.150 vagas, no prazo de 10 anos. A empresa ré sagrou-se vencedora do certame, por
ter oferecido a maior outorga inicial, no valor de R$ 551.000,00. Aduziu que o contrato celebrado
permite a implementação, manutenção e operação dos equipamentos de controle do
estacionamento, fiscalização da regularidade da situação dos veículos estacionados e, ainda,
cobrança excedente, por meio de aviso de cobrança de tarifa que, se inadimplida, acarretaria
sanção administrativa por estacionamento irregular, com “tarifa única de pós-utilização”,
instituída por meio de decreto municipal. Sustentou, por fim, que a gestão das áreas de
estacionamento contratadas não possuem caráter de serviço público, já que não atende ao
interesse público, mas apenas aos interesses econômicos de particular, bem assim que o repasse
de apenas 6% do valor da arrecadação à administração, conforme previsto no contrato, fere o
interesse público, acarretando dano ao erário. Assim, requereu a concessão de tutela de urgência,
com a suspensão da execução do contrato celebrado entre os réus, sob pena de multa diária.
Em caráter definitivo, requereu: a) a declaração de nulidade do processo de compras e contrato
administrativo celebrados entre as partes para a manutenção das AER; b) a declaração da
ilegalidade dos parágrafos 2º a 5º do artigo 4º do Decreto Municipal nº 8.991/15, sobre a tarifa de
pós-utilização; c) a declaração de nulidade dos autos de infração lavrados e das penalidades
aplicadas aos condutores com base nos denominados avisos de cobrança de tarifa ACT; d) a
condenação do Município a restituir os valores arrecadados em razão dos autos de infração
mencionados no item anterior; e) a condenação dos réus à devolução dos valores cobrados em
função do sistema de “zona azul” regulamentado pelo Município de Valinhos e implementado
pela empresa ré.
A inicial foi instruída com os documentos de páginas 35/281.
O pedido de tutela de urgência foi deferido nas páginas 283/284.
Os réus ofertaram defesa prévia nas páginas 368/394 e 435/445, alegando, emsíntese, a possibilidade
jurídica de se licitar o serviço público de implantação de sistema
eletrônico de controle de estacionamento rotativo, uma vez que o estacionamento gratuito não é
uma regra obrigatória. No mais, sustentaram que não houve a transferência de poder de polícia,
mas, tão somente, a delegação do ato de fiscalização, bem assim impugnaram a alegação de
ofensa ao interesse público em detrimento do particular.
O Ministério Público se manifestou sobre as defesas prévias (páginas 452/454).
A inicial foi recebida nas páginas 455/457.
Citados, os réus ofertaram contestação nas páginas 481/488 e 498/523,
requerendo a improcedência da ação.
A decisão que concedeu a tutela antecipada foi reformada por acórdão, que
afastou a suspensão do contrato de concessão e impôs à empresa ré o dever de se abster de aplicar
penalidades aos usuários, permitindo, tão somente, a sua notificação em caso de irregularidade.
Observou-se, ainda, que as verbas decorrentes dos atos de poder de polícia, que devem ser
praticados apenas por servidores públicos com atribuição para tanto, precisam ser revertidas
integralmente aos cofres públicos, ficando sobrestado o pagamento de percentual à empresa ré.
(páginas 553/563).
O Ministério Público se manifestou sobre as contestações (páginas 564/570).
Após as partes serem intimadas a especificarem as provas que pretendiamproduzir, a ré Autoparque do
Brasil Empreendimentos e Serviços Ltda. apresentou documentos
(páginas 578/594 e 596/600), sobre os quais o Ministério Público se manifestou nas página 605.
No mais, o Município réu e o autor não demonstraram interesse na dilação probatória (páginas
605 e 608).
É o relatório.
Fundamento e decido.
Possível e oportuno o julgamento do feito no estado em que se encontra, uma vez
que desnecessária a produção de outras provas, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de
Processo Civil.
Pretende o autor, em síntese, a declaração de nulidade do processo de compras e
do contrato administrativo celebrado entre os réus para a manutenção das Áreas de
Estacionamento Regulamentado – AER, a declaração de ilegalidade dos parágrafos 2º a 5º do
artigo 4º do Decreto Municipal nº 8.991/15, que dispõem sobre a tarifa de pós-utilização,
bemcomo dos autos de infração lavrados com base nos avisos de cobrança de tarifa. Requereu, por
fim, a condenação do Município à restituição das tarifas pagas, e dos réus à devolução dos
valores pagos em razão da implementação do sistema de "zona azul".
Para tanto, sustentou que o contrato impugnado prevê o repasse para a
Municipalidade de apenas 6% do valor arrecadado, bem assim permite a implementação,
manutenção e operação dos equipamentos de controle do estacionamento, fiscalização da
regularidade da situação dos veículos estacionados e, ainda, cobrança excedente, por meio de
aviso de cobrança de tarifa que, se não quitada, acarretaria sanção administrativa por
estacionamento irregular, com “tarifa única de pós-utilização”, instituída por meio de decreto municipal.
Assim, alega que, embora seja possível limitar o tempo de uso de um bempúblico, em decorrência do exercício
do poder de polícia, bem como cobrar pelo seu uso, não se
revela adequado que o particular exerça tal limitação de direito, muito menos que ele seja o maior
destinatário do valor pago.
De início, observo que, nos termos do artigo 24, inciso X, do Código de Trânsito
Brasileiro, compete aos órgãos e entidades executivas de trânsito dos Municípios, no âmbito de
sua circunscrição, implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias.
Além disso, o artigo 25 do mencionado diploma legal autoriza os órgãos e
entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito a celebrar convênio delegando as
atividades acima elencadas.
Dessa forma, há autorização legal para concessão de serviços de implantação,
manutenção e operação de sistema de estacionamento rotativo pago.
Nesse sentido, a jurisprudência do E.TJSP:
"Conforme consignado na decisão que concedeu o efeito suspensivo ao
presente recurso, não se olvida a competência municipal para implantar, manter
e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias, conforme prevê o
artigo 24, inciso X, do Código de Trânsito Brasileiro, bem como o artigo 25 do
mesmo Diploma Legal estabelece a possibilidade de convênio, delegando as
atividades acima elencadas. (TJSP, AI nº 2193656-97.2014.8.26.0000, Rel.
Des. Cristina Cotrofe, 29/04/2015).
"Todavia, a prestação de serviço de regulamentação de estacionamentos em si
mesma, por indispensável à organização do trânsito de veículos do município e
de resguardo do espaço público, não aparenta colidir com os princípios
administrativos..." (TJSP, AI nº 2228583-21.2016.8.26.0000, Rel. Des. Antonio
Tadeu Ottoni, 17/05/2017).
Frise-se, ainda, que, conforme jurisprudência majoritária do Tribunal de Justiça
de São Paulo, a cobrança por vagas de estacionamento na via pública não gera, para o Estado ou
para a concessionária, dever de guarda e vigilância:
APELAÇÃO CÍVEL. Responsabilidade civil. Furto de veículo estacionado em
"zona azul" de via pública municipal. Concessão pelo Município do serviço
público de gestão de estacionamento rotativo regulamentado de veículos de
passeio e carga. Licitação na modalidade concorrência. Ausência do dever
de guarda pela concessionária que opera o estacionamento rotativo. Estado
não responde por todo furto ocorrido em próprio seu, ainda que regulamente
seu uso. Contrato firmado exclusivamente para administração e organização.
Impossibilidade de se exigir a proteção dos veículos
estacionados na rua, em ambiente completamente aberto, sendo incabível a
disponibilização de policiamento suficiente para garantir a segurança individual
de cada veículo. Inexistência de responsabilidade objetiva. Exclusão expressa
pelo artigo 17 da Lei Municipal nº 3.429/98 da responsabilidade da
concessionária por acidentes, danos, furtos ou prejuízos de qualquer
natureza. Ausente nexo causal. Ausente omissão, um dos requisitos para a
responsabilidade civil. Prova frágil quanto à efetiva ocorrência do furto e da
utilização da "zona azul" com o recolhimento do valor correspondente.
Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido. (TJSP, 9ª Câmara de
Direito Público, Ap. nº 0003241-59.2010.8.26.0445, Rel. Des. Oswaldo Luiz
Palu, 03/07/2013) (grifo nosso).
RECURSO DE APELAÇÃO EM AÇÃO ORDINÁRIA.
RESPONSABILIDADE CIVIL. VEÍCULO FURTADO EM ÁREA DE "ZONA
AZUL". Para a responsabilização do ente público por omissão, por falha na
prestação do serviço – faute du service - é necessária a comprovação do nexo
de causalidade e o dano. No caso concreto, o veículo foi estacionado em área
onde é cobrada a "zona azul". Inexistência de responsabilidade pelos danos
causados em virtude de estacionamento em via pública, já que não há
contrato de guarda e conservação da propriedade, pois a cobrança de
vagas em via pública tem o intuito primordial de ordenamento e
rotatividade de pessoas na localidade. Responsabilidade civil subjetiva do
Estado não configurada. Sentença mantida. Aplicação do art. 252 do Regimento
Interno deste E. Tribunal de Justiça. Recurso desprovido (TJSP, 5ª Câmara de
Direito Público, Rel. Des. Marcelo Berthe, Ap. nº 1001394-59.2015.8.26.0047,
21/03/2016) (grifo nosso).
APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL INDENIZAÇÃO
DANOS MORAIS E MATERIAIS - Furto de veículo em estacionamento
rotativo - Área destinada a estacionamento - Garantia de uso rotativo, não
gera o dever de indenizar - Responsabilidade subjetiva do Estado não
configurada - Estacionamento que é efetivado em via pública - Inexistência
de dever de guarda e conservação dos veículos e objetos deixados em seu
interior - Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido. (TJSP, 7ª
Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Eduardo Gouvêa, Ap. nº
0005318-61.2010.8.26.0309, 12/05/2014) (grifo nosso).
No tocante ao preço estipulado pelas partes, tem-se que a cláusula 9 do contrato
impugnado prevê o pagamento, pela concessionária à municipalidade, de R$ 551.000,00, além do
repasse de 6% sobre o resultado bruto da operação (página 236).
A priori, o percentual de repasse estabelecido pelos réus se mostra irrisório e
constitui indício de desvio de finalidade, com a prevalência do interesse particular sobre
interesse público.
Por tal razão, nas páginas 283/284 foi concedida tutela de urgência, a fim de
sobrestar a contratação celebrada.
Ocorre que, para a concessão de tutela definitiva, com a declaração de nulidade
do processo de compras e contrato administrativo celebrados entre as partes, exige-se a presença
de elementos que demonstrem, de forma inequívoca, o prejuízo ao erário.
Dessa forma, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil,
caberia ao autor produzir prova neste sentido.
Frise-se que, no caso, não há razão para a redistribuição do ônus probatório, já
que não se está diante das hipóteses descritas no parágrafo 1º do mencionado dispositivo legal,
não havendo, sequer, pedido neste sentido.
No entanto, as provas produzidas pelo requerente não permitem concluir, comsegurança, que o contrato
celebrado entre os réus implica em desvio de finalidade.
Isso porque tal conclusão deveria estar amparada por perícia econômica e
contábil, que indicasse as previsões de faturamento, com a exclusão de todos os investimentos
realizados pela concessionária e a compensação daquilo que seria incorporado ao patrimônio
público após o término da relação contratual.
Todavia, apesar de intimado, o Parquet não requereu a produção de prova
pericial.
Além disso, embora tenha mencionado, na peça inicial, que os balancetes da
receita da Prefeitura Municipal de Valinhos demonstram que a arrecadação mensal com as áreas
de estacionamento regulamentada, antes da concessão, variavam entre R$ 20.000,00 e R$
30.000,00, o autor não instruiu a inicial com tais documentos.
Com efeito, embora tenha sido juntado, na página 280, cópia de ofício
encaminhado ao Prefeito Municipal, requisitando "informações relativas às receitas e custos de
administração das Áreas de Estacionamento Regulamentado – AER ("zona azul") pela Prefeitura
Municipal de Valinhos, antes da sua concessão a particular, acompanhadas dos respectivos
documentos comprobatórios.", e o autor tenha mencionado, na página 281, que os documentos e
informações solicitados por meio de tal oficio seriam oportunamente juntados ao processo, não
há notícia do cumprimento de tal providência.
Dessa forma, ante a ausência de prova do efetivo desvio de finalidade,
caracterizado pelo atendimento de interesse privado em detrimento do interesse público, de rigor
o indeferimento do pedido de declaração de nulidade do processo de compras e do contrato administrativo
celebrado entre as partes para a manutenção das AER.
Além disso, não anulado o contrato, não há que se falar na condenação dos réus à
devolução das tarifas cobradas para estacionamento nas áreas regulamentadas.
No mais, o autor pretende a declaração de ilegalidade dos parágrafos 2º a 5º do
artigo 4º do Decreto Municipal nº 8.991/15, sobre a tarifa de pós-utilização, bem como dos autos
de infração lavrados e das penalidades aplicadas aos condutores com base nos denominados
avisos de cobrança.
Os parágrafos 2º a 5º do artigo 4º do Decreto Municipal nº 8.991/2015
estabeleciam o seguinte:
"§2º. O veículo que exceder o período de estacionamento contínuo adquirido,
ou que não tiver recolhido o preço público correspondente, poderá ter sua
situação regularizada posteriormente, desde que o responsável, recebendo o
aviso de pendência, promova o pagamento da tarifa correspondente ao número
de horas de um período diário integral, para o que, receberá um aviso de
cobrança de tarifa - ACT, especificando a ocorrência, constando as
características de identificação do veículo e do local, a data e a hora da
emissão.
§3º. O ACT deverá ser colocado no para-brisa do veículo, juntamente com
eventual material de apoio e instruções de procedimento para o usuário poder
efetuar o pagamento de tarifa de pós utilização.
§4º. A regularização poderá ser efetuada por meio de transação específica nos
equipamentos eletrônicos multivagas ou outros equipamentos eletrônicos
multivagas ou outros equipamentos e sistemas disponibilizados à população,
em até 24 horas, através do pagamento da tarifa única de pós-utilização no
valor de R$ 16,00 (dezesseis reais)
§5º. A não retirada do ACT, no prazo estabelecido, implicará na aplicação das
penalidades previstas no art. 181, inciso XVII, do Código de Trânsito
Brasileiro, mediante autuação dos agentes municipais de trânsito, que lavrarão
o competente AIT- auto de infração de trânsito."
Ora, é certo que o procedimento de fiscalização e imposição de multa aos
condutores infratores previsto nos parágrafos 2º a 5º do artigo 4º do Decreto Municipal nº
8.991/2015 implica na indevida delegação do poder de polícia, típico da administração pública,
ao particular.
Isso porque a imposição de penalidade pelo não pagamento do valor previsto
para a utilização da área de estacionamento regulamentada ou pela permanência do veículo no
local por tempo superior ao permitido não se dava por meio da constatação, in loco, da prática de
tais condutas pelo Agente Municipal de Trânsito, mas sim em razão da ausência de retirada, no prazo
estabelecido, do ACT – Aviso de Cobrança de Tarifa (artigo 4º, §5º, do Decreto Municipal
nº 8.991/2015).
De acordo com o parágrafo 2º da normativa em comento, referido aviso de
cobrança deveria especificar a ocorrência, constando as características de identificação do veículo
e do local, a data e a hora da emissão, e ser colocado no para-brisa do veículo, juntamente comeventual
material de apoio e instruções de procedimento para o usuário poder efetuar o
pagamento de tarifa de pós utilização.
No entanto, a cláusula 5.5 do Termo de Contrato nº 0049/2016, celebrado entre os
réus, consigna que cabe à concessionária "identificar e avisar os veículos estacionados nas vagas
do sistema, aplicando o Aviso de Cobrança de Tarifa, informando à Autoridade Municipal de
Trânsito e também representante do PODER CONCEDENTE no contrato, os dados relativos aos
veículos que deixaram de efetuar o pagamento da tarifa".
Dessa forma, tem-se que o contrato, associado aos dispositivos normativos emcomento, não delegava apenas
a fiscalização, já que retirava do agente municipal de trânsito, que
possui fé pública, a obrigação de constatar, in loco, a infração, possibilitando que a penalidade
fosse imposta por meio de relatório elaborado por particulares (funcionários da concessionária),
que carecem de fé pública, o que não pode ser admitido.
Com efeito, é lícito que os prepostos da empresa ré informem à autoridade
municipal de trânsito, os dados relativos aos veículos que deixaram de efetuar o pagamento da
tarifa, ou excederam o tempo de permanência.
No entanto, a imposição de penalidade não pode se basear em tal relatório, sendo
imprescindível a constatação, in loco, pelo agente público, ou a comprovação da infração por
meio de eventual sistema de videomonitoramento, de acordo com os ditames legais.
Além disso, ainda que seja legítima a cobrança pelo estacionamento de veículo
em área regulamentada, bem como a imposição de penalidade em caso de descumprimento das
condições impostas (art. 181, inciso XVII, do CTB), não há fundamento para a imposição de "tarifa
de pós-utilização", tampouco para elisão de penalidade prevista em lei federal pelo pagamento de
tal valor.
Nesse sentido, a jurisprudência do E.TJSP:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Zona Azul. Indaiatuba. LM n° 3.982/01. DM nº
7.692/03. Concessão de serviço público. Estacionamento irregular. Taxa de
regularização cobrada pela concessionária. Autuação pelo CTB. Prejuízo ao
consumidor. - 1. Ação civil pública. Declaração incidental de inconstitucionalidade.
A ação civil pública é veículo adequado à análise
incidental da constitucionalidade das leis (STF, Red. 600-0-SP, Rei. Nèri da
Silveira, e Recl 602-6,Rel limar Gálvão, Pleno, 3-9-1997; REsp n° 227.159-4-
GO,STF, 2a Turma, 12-3-2002, Rel Néri da Silveira). - (...) - 4. Autuação.
Infração de trânsito. A autoridade municipal pode autuar, por infração ao
art. 181, XVII do CTB, o motorista que estaciona irregularmente o veículo
em zona regulamentada; mas deve fazê-lo por agente seu, por ocasião do
cometimento da infração. Não se entrevê fundamento legal na autuação
posterior, apenas dos motoristas que deixaram de pagar a taxa de
regularização à concessionária. - Procedência. Recursos parcialmente
providos.” (Ap. nº 994.09.011665-3, Rel. Des. Torres de Carvalho, j. Em
22.11.2.010) (grifo nosso)
“Apelação cível. Ação civil pública. Trânsito. Estacionamento irregular em
“zona azul”. Exploração do serviço de estacionamento de veículos em vias e
logradouros públicos, mediante permissão, pela Associação Comercial e
Industrial de São Caetano do Sul. Infração caracterizada pelo não uso de cartão
ou excesso de prazo de estacionamento. Previsão contratual de não aplicação
da penalidade prevista no Código de Trânsito Brasileiro (artigo 181, inciso
XVII) se o infrator, em quarenta e oito horas, efetuar o pagamento, à
permissionária, do equivalente a dez horas de estacionamento. Infração de
caráter administrativo, prevista em lei federal, que não pode ser relevada.
Competência privativa da União (artigo 22, inciso XI, da ConstituiçãoFederal),
que estabeleceu as infrações de trânsito (Código de Trânsito Brasileiro,Leinº
9.503/97).Sentença de procedência mantida, afastada apenas a condenação em
honorários advocatícios. Agravo retido não conhecido. Recurso da Associação
Comercial e Industrial de São Caetano do Sul improvido. Recurso da Prefeitura
Municipal de São Caetano do Sul parcialmente provido.” (Apelação nº
9073550.02.2005.8.26.0000, Rel. Des. Osni de Souza, j. em27.04.2011)
Dessa forma, evidente a ilicitude do procedimento estabelecido pelos parágrafos
2º a 5º do artigo 4º do Decreto Municipal nº 8.991/2015, fazendo-se necessária a declaração de
nulidade de tais dispositivos que, embora revogados, produziram efeito jurídico durante sua
vigência.
Necessária, ainda, a declaração de nulidade dos autos de infração lavrados e das
penalidades aplicadas aos condutores com base nos denominados avisos de cobrança de tarifa – ACT.
Além disso, tendo em vista que a declaração de nulidade possui efeitos ex tunc,
de rigor a condenação dos réus à devolução dos valores pagos pelos usuários das áreas de
estacionamento regulamentadas a título de "tarifa única de pós-utilização", bem como do
Município de Valinhos à restituição da quantia arrecadada em razão dos autos de infração
lavrados com base nos avisos de cobrança de tarifa.
Observo que o cumprimento de tal obrigação deverá se dar pela via administrativa, cabendo
aos réus dar ampla publicidade à presente sentença, divulgando-a em, ao
menos, dois jornais de circulação local, em três oportunidades, bem como na página eletrônica da
Prefeitura Municipal, com permanência mínima de 60 dias, com orientação, aos lesados, a
respeito das providências a serem adotadas para obtenção da restituição.
Por outro lado, considerando a licitude da cobrança pela utilização das áreas de
estacionamento regulamentado, não há que se falar na condenação dos réus à restituição dos
valores cobrados a tal título.
As demais matérias eventualmente arguidas não foram analisadas, uma vez que
não possuíam o condão de influenciar no resultado da sentença.
Pelo exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo
Civil, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial para: a) declarar a
nulidade dos parágrafos 2º a 5º do artigo 4º do Decreto Municipal nº 8.991/2015; b) declarar a
nulidade dos autos de infração lavrados e das penalidades impostas aos condutores com base nos
denominados avisos de cobrança de tarifa – ACT; c) condenar os réus à devolução dos valores
pagos pelos usuários das áreas de estacionamento regulamentadas a título de "tarifa única de
pósutilização"; d) condenar o Município de Valinhos à restituição da quantia arrecadada em razão
dos autos de infração lavrados com base nos avisos de cobrança de tarifa - ACT. Para tanto, os
réus deverão dar ampla publicidade à presente sentença, divulgando-a em, ao menos, dois jornais
de circulação local, em três oportunidades, bem como na página eletrônica da Prefeitura
Municipal, com permanência mínima de 60 dias, com orientação, aos lesados, a respeito das
providências a serem adotadas para obtenção da restituição.
Por terem sucumbido em maior parte, os réus deverão arcar com as custas e
despesas processuais, nos termos do artigo 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
Sem condenação em honorários, por força do disposto no artigo 18 da Lei nº
7.347/85 que, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, aplica-se, também, à
parte ré de ação civil pública, por força do princípio da simetria. (Embargos de Divergência
emREsp nº 1.531.504 – CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 19/04/2018).
Sentença sujeita a reexame necessário, nos termos da Súmula 490 do Superior
Tribunal de Justiça.
Valinhos, 25 de fevereiro de 2019.
DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006,
CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA